Ao sair do cinema, depois de assistir ao filme de Walter Salles, é impossível não pensar em 1964 e tudo que veio a seguir. Também pude entender um outro contexto da frase do jornalista e político Carlos Lacerda, que, de golpista inveterado, ficou conhecido como "Corvo" por suas atuações conspiratórias. A frase diz: “Em política, mais vale sair para voltar do que tentar ficar e não permanecer”. Rubens Paiva, engenheiro, deputado federal cassado, cujos direitos políticos foram cassados por dez anos, pelo Ato Institucional no 1, de 09 de abril de 1964, na legislatura 1963-1967. Ele perdeu o mandato, mas era impossível deixar a política, principalmente pela comunhão de ódios que brotou a partir do golpe de 1964. O filme de Walter Salles procura mostrar como era o ambiente à época da prisão e desaparecimento de Rubens Paiva. Com um verniz de aparente normalidade da vida pública, as blitzes para prender inimigos do poder eram feitas dentro dos túneis, assim como muitos porões eram transformados em prisões. Quem era perseguido pela ditadura ia à praia, à sorveteria, mas quando visitado pelos agentes do poder, simplesmente nem eram notados pela vizinhança. Tudo não só acontecia na calada da noite, como os atos eram sempre atrás de cortinas ou então no “escuro feito breu”. Foi justamente nessa época que o então ministro das Relações Exteriores, Magalhães Pinto, foi um dos signatários do Ato Institucional no 5, o instrumento mais repressivo de toda a ditadura militar, e cunhou a frase: “Política é como nuvem.” Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou.” Foi esse AI5 que abriu as portas para prisões sem mandado, torturas, muitas delas geradoras de desaparecimentos e mortes. Pessoas eram perseguidas e presas por suspeitas que eram geradas pelas suas amizades, preferências musicais e jeito de se vestir. Por exemplo, naquele período, ter cabelo cumprido era um símbolo da contracultura. Por outro lado, existia a associação com o consumo de drogas e movimentos de protesto. O papel de Eunice, esposa de Rubens Paiva, foi protagonizado de forma soberba por Fernanda Torres. Ela praticamente, nas duas horas e dezesseis minutos, se transforma no fio condutor de toda a estrutura cinematográfica, num desempenho que, sem dúvida, deixou sua mãe, Fernanda Montenegro, profundamente orgulhosa. AINDA ESTOU AQUI é um filme rigorosamente obrigatório, principalmente para quem acredita que o golpe de 1964 não passou de mera peça de ficção. Também é indicado para quem gostaria de revisitar um passado, que muita gente tenta nos dias de hoje ignorar. Mas isso acontece justamente pelo fato de que, apesar da Comissão Nacional da Verdade de 2014, o que faltou foi um acerto de contas com os militares, como aquele que ocorreu na Argentina, que hoje tolera um governo de direita, mas que nunca mais quer ver uma farda no poder! Aproveitando que ainda estamos aqui, agora é torcer para que os membros da Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood tenham juízo e entreguem um Oscar para a Fernanda, pois ela representa hoje a nossa Eunice Paiva, num tempo onde a omissão dos bons contribui para a audácia dos maus!